22 de março de 2006

Carta de Fernanda Leitão. «Ficaria bem a Lisboa ficar do lado certo»

Pela importância, transmite-se a «Carta» de Fernanda Leitão, sobre os
portugueses em apuros no Canadá.


Arquive-se.


CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão

PORTUGUESES ILEGAIS EM APUROS

A comunidade portuguesa de Toronto está, de novo, agitada porque estão a ser deportados imigrantes portugueses ilegais. Repete-se o fado da autoria de políticos incapazes de porem o país a criar postos de trabalho: enxurradas de homens e mulheres, tendo apenas dois braços para trabalharem, rumam ao estrangeiro a tentar o que lhes é devido, em dignidade e pão, enquanto seres humanos.

Desde 2001 se dizia à boca pequena estarem a chegar portugueses dispostos a aceitar qualquer trabalho. Como de costume, engrossaram as sofridas hostes dos trabalhadores da construção e das mulheres de limpeza, já que todos eles são trabalhadores indiferenciados, sem profissão definida e poucos estudos. Alertado para o facto, o embaixador de Portugal em Otava, João Silveira de Carvalho, iniciou de imediato intensos contactos com o governo federal do Canadá, então liberal e minoritário, e tudo se encaminhava para uma solução feliz, mas difícil, porquanto o departamento de Cidadania entende não ser de legalizar portugueses entrados neste país como turistas já que, sublinha, mentiram ao Canadá e seria injusto tomarem a dianteira a trabalhadores que requereram o seu direito a emigrar para este país. A verdade é que, nessa altura, havia uma sincera vontade política de resolver o assunto, como é timbre dos governos liberais em se tratando de matéria que exige compaixão. E no entanto, isso não foi feito porque, exigindo o caso um orçamento nutrido e estando perfiladas no horizonte as eleições gerais, houve que esperar. Infelizmente, Janeiro trouxe ao Partido Conservador a magra vitória de um governo minoritário, a ser plebiscitado dentro de um ano. O que equivale a dizer que os imigrantes ilegais não poderão contar com a compaixão de um governo formado por gente de freio nos dentes e de servil relação com a administração de Bush.

O embaixador Silveira de Carvalho entendeu ser seu dever alertar as pessoas para o facto de a lei canadiana de Imigração não ter mudado e, portanto, poderem ser deportados os portugueses indocumentados. E também as alertou para o perigo de induzirem familiares ou parentes a tentarem entrar no Canadá como turistas. E, apesar de tudo, continuou as suas diligências junto de quem de direito. Foi apoiado, com inteira concordância e acção, pela Directora Regional das Comunidades Açorianas, Alzira Serpa da Silva, e o único deputado português no parlamento federal, Mário Silva. Em contrapartida, o ministro da Imigração canadiano, inquirido pelos jornalistas por ocasião de uma sua recente visita a Toronto, respondeu de forma arrogante e desdenhosa que os imigrantes ilegais não são uma prioridade do governo a que pertence, tendo ido mesmo ao ponto de lançar esta pérola de compaixão e amor pelo próximo: não sabemos quem são, quantos são, nem onde estão. Só podem ter ficado surpreendidos os que já não se lembram do governo de Brian Mulroney, esse que, tendo tratado os imigrantes com distância e sem piedade, ao ver-se com a corda na garganta, promulgou à pressa uma amnistia administrativa por pensar que isso lhe renderia a salvação através dos votos... Enganou-se. O seu partido foi pelo cano, sobretudo pela pouca inteligência e nenhuma decência de sabotar a candidatura de Kim Campbell, uma senhora de impressionante inteligência, cultura e honestidade. Esteve muitos anos no limbo este partido que, afinal, acabou por ter a sorte de uma conjuntura infeliz para o governo liberal, aumentada a traço grosseiro numa montagem de agit-prop que faria inveja aos comunas, deitou abaixo o governo liberal de Paul Martin no parlamento. E apesar de tudo, apenas uma triste minoria tem o seu governo, a um ano de eleições gerais.

Todo este quadro é sombrio e lança no desespero milhares de portugueses que, entretanto, tiveram filhos, puseram os filhos a estudar, compraram casa e carro. Não vieram fazer turismo ou viver pendurados na assistência pública, vieram para trabalhar. A sua deportação causará grave transtorno à construção civil, em pleno boom.

Penso que é chegada a hora de o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros dar uma achega de peso a quem, aqui no terreno, tenta ajudar os nossos compatriotas. O Canadá tem as suas leis e quere-as respeitadas, mas a maioria da sua população tem um coração enorme. Ficaria bem ao governo de Lisboa ficar do lado certo.

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