7 de fevereiro de 2006

Último Adeus. A Mário Lebre

Proponha-se a SEXA leitura da Crónica do Canadá, de Fernanda Leitão.

Não se arquive para que fique para sempre na memória.



Fernanda Leitão

Crónica do Canadá


ÚLTIMO ADEUS A MÁRIO LEBRE

Depois de uma curta e terrivelmente dolorosa batalha contra um cancro no pâncreas, Mário Lebre fechou os olhos para sempre no último domingo de Janeiro, dia 29, sem um queixume nem um grito. Tinha toda uma agonia silenciosa escrita no rosto. Chegava ao termo uma doença galopante que o obrigou a encurtar as habituais férias em Portugal e se apresentar aos amigos com menos 25 quilos, um rosto emaciado e uma cor que a todos sobressaltou.

No domingo seguinte, 5 de Fevereiro, sua Mulher e Filhas receberam, na maior intimidade, um punhado de amigos para um memorial service no centro comunitário do velho e típico bairro de Cabbagetown. Sobre as mesas, atoalhadas de verde, ramos de cravos vermelhos e uma folha de papel com o retrato de Mário Lebre, com a sua inconfundível barba branca e o seu obrigatório boné preto, sobrepondo-se à letra de Grândola Vila Morena. Homenageava-se o homem que, na década de 60, deixou Portugal incompatibilizado com a ditadura reinante, o militante coerente que se bateu contra os atentados aos Direitos do Homem, sózinho com seu estandarte ou apoiado pela Associação Democrática e a Associação 25 de Abril. Nunca virou a cara a uma causa que considerasse justa, nunca deixou de ajudar fosse quem fosse, nunca receou pedir meças a quem, por ter mais preparação académica, se considerasse no direito de espezinhar o próximo. Nunca deixou que videirinhos e vigaristas medrassem à sombra de instituições comunitárias. Denunciava-os frontalmente. Podia fazê-lo, porque foi homem de vida limpa e independente de interesses que corrompem almas e países. Foram esses os únicos inimigos que deixou neste mundo, o que definitivamente lhe conferiu a maior condecoração que uma pessoa de bem pode receber.

Tinha poucos estudos, mas uma ânsia enorme de saber, de aprender, uma curiosidade insaciável por livros, jornais e amigos a quem, com a maior humildade, fazia perguntas acerca do que não sabia. Acreditou na revolução do 25 de Abril de 1974 com um entusiasmo próprio de toda uma geração idealista e isenta que foi amordaçada pela ditadura, que comeu o pão escasso e negro de um país adiado. Sofreu profundamente o falhanço dessa revolução traída pelos burgueses sem escrúpulos que, à esquerda e à direita, levaram Portugal ao triste estatuto de vítima da corrupção. Amou apaixonadamente Portugal e por isso o seu sofrimento foi imenso e inenarrável. Respeitou e amou o Canadá como poucos, e de forma totalmente despojada: na hora derradeira, doou o seu corpo à Ciência, sabendo que o preço seria não ter velório nem funeral.

Era um homem corpulento e afável, sorridente e tolerante, cheio de bondade, que tinha a Família e os Amigos acima de tudo, pouco lhe importando que rótulo lhes punha a camarilha reinante na comunidade portuguesa. Por isso se compreenderá que, com emoção e sem preconceitos, os amigos se tivessem despedido dele cantando o Grândola Vila Morena de todas as esperanças traídas.

1 comentário:

Anónimo disse...

O Notas Verbais e adjacências seriam bastante mais interessante s e úteis se acabassem com a linguagem críptica, os subentendidos, as insinuações e os pseudónimos.
Assim parece que está a falar para grupinhos (e está!).
Se se deixar de "talibãs" e "andeiros" e quejandos e passar a chamar "os bois pelos nomes" talvez se acredite mais na expressa vontade do autor de lutar contra o secretismo na diplomacia.
Só entendem os viados e quem lança a intriga (de que as Necessidades estão cheias). Mas nem tudo são guerrinhas, vaidadezinhas, ambiçõezinhas de gente sem classe e sem grandeza.
Nomes, nomes e factos.
Ou é por medo?