19 de janeiro de 2005

Banguecoque. Algo em que a bota não bate com a perdigota.

Sobre o imbróglio de Banguecoque, transcreve-se texto publicado em Hoje Macau. Para que conste.

Arquive-se


(in Hoje Macau, de 15 de Janeiro 2005)

TRAGÉDIA NA ÁSIA

Ministro, tia e outras trapalhadas
Rodolfo Ascenso

O ministro português dos Negócios Estrangeiros disse, em declarações publicadas na última edição do Hoje Macau, relativamente ao liminar envio à sua sorte do menor português de 17 anos anos Martim Mello Bleck (vítima do maremoto na Tailândia) que «aquilo que aparece não é como foi». Aduz, em favor, que «a tia dele falou-me e tudo o mais». Tem toda a razão o senhor ministro.

O que aparece não é como foi descrito, apenas, por défice: os jornalistas que colheram o depoimento de Filipa, mãe de Martim, e do próprio, comprometeram-se a não fazer referência a laços familiares. Honraram o compromisso.

Quanto à tia, a história foi-nos contada: no quarto de hospital foi recebido um telefonema da tia, em sequência de outro telefonema, ministrial, pedindo que não se fizessem ondas quanto ao sucedido. Isto é o que, tendo sido, não apareceu noticiado - pelos vistos a parte que interessa ao ministro.

A resposta de Filipa, os outros telefonemas de ministros e os comentários, porque não eram o fundamental da história, também não apareceram nas notícias - o fundamental estava lá: o encarregado de negócios da embaixada portuguesa em Banguecoque, Jorge Marcos, mandou voltar no dia seguinte um menor de 17 anos, ferido, sem identificação nem dinheiro, sem saber se a mãe estava viva ou morta, que lhes pedia apenas para tentarem contactar telefonicamente familiares, de quem sabia o nome mas não os números de telefone.

Que o ministro António Monteiro conhecia a tia, souberam no quarto do hospital os jornalistas que visitaram Filipa e Martim. Perceberam mesmo que, mais que conhecer a família, o ministro lhe tinha um respeitinho dos antigos - como acaba por tornar público em Pequim. Souberam também que o embaixador de Portugal em Banguecoque lá chegou tardiamente, mas recomendado, e teve o acolhimento que mereceu. Souberam ainda que não foi por acaso que tinham sido eles, Filipa e Martim - uma história com final feliz - os escolhidos para a primeira visita consular, e não outros, igualmente hospitalizados, e com muito piores histórias para contar.

Relatórios

Confirma-se pelas declarações em Pequim do ministro português dos Negócios Estrangeiros que foram feitos relatórios sobre «esse e outros casos» e que foi feita «uma averiguação dos factos» que, no entanto, não resultam em «nenhum motivo para instaurar processos ou responsabilizar alguém». «Confirma-se» porque isso já tinha sido dito pelo Director Geral dos Assuntos Consulares, Sequeira e Serpa, a 1 de janeiro, em Banguecoque. Sendo que não há notícia de que na «averiguação» tenham sido ouvidos os queixosos, compreende-se que nesta matéria a capacidade, e sobretudo a rapidez, de resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros seja muito mais eficaz que na assistência aos necessitados.
De resto, tudo isto é confirmado pela carta que o embaixador Lima Pimentel teve tempo para escrever ao Expresso . Sem ter ainda respondido a perguntas tão elementares quanto: «quantos documentos de viagem foram emitidos», «a quantas pessoas foi prestado apoio» ou «em que valor», o embaixador passou para outros (o próprio ministro) a culpa de ter ficado mais dois dias em Lisboa quando as coisas, manifestamente, não funcionavam em Banguecoque.

Alega o embaixador Lima Pimentel que tudo estava estregue ao encarregado de negócios Jorge Marcos. O mesmo que mandou à sua sorte o jovem Martim. O mesmo que expulsou um cidadão e jornalista português, delegado da agência Lusa, do recinto da embaixada apenas porque a entrevista com o embaixador (acertada no aeroporto) não tinha passado por ele. O mesmo que não respondeu a dezenas de chamadas telefónicas que lhe foram feitas nos momentos de crise. Serão factos que constam dos relatórios «outros também» a que o ministro faz referência e não merecem procedimento?

Desculpas

Em Macau, falta ainda ao Ministro António Monteiro a imprescindível correcção às indigentes declarações do seu porta-voz, uma vez que, por actos, já se ratractou das suas prórpias: depois de ter dito que não compreendia a diferença entre «incontactáveis» e «desaparecidos», quiçá depois de ter consultado o dicionário, percebeu que «desaparecido» «diz-se de ou indivíduo cujo paradeiro se desconhece ou cuja morte se presume, embora não se tenha descoberto o seu cadáver», passando a utilizar oficialmente ambas as expressões.

Como reponsável pelo que faz e diz o seu porta-voz Carneiro Jacinto, convém que António Monteiro diga se também acha que «em Macau há um jornal para cada 20 portugueses», que se nos juntarmos todos numa praça vemos logo quem falta e, sobretudo, se corrobora a opinião de que «desaparecido é morto».

Como já foi escrito neste jornal, o desempenho do Ministério dos Negócios Estrangeiros português na assistência às vítimas do maremoto indignou todos os que, de uma forma ou outra, tiveram que se socorrer dele. As declarações de Carneiro Jacinto na (nossa) madrigada de 27 de dezembro só nos envergonharam porque, donde vinham, não nos podiam ofender.

Agora, a impunidade com que o ministro brinda a incopetência do embaixador e a prepotência do encarregado de negócios, mais a conivência do director-geral dos Assuntos Consulares, deixa a nú as normas por que se rege o ministério.

PS - Jorge Sampaio salvou a face de Portugal ao agradecer publicamente ao Chefe do Executivo tudo o que o Governo da RAEM fez pelos portugueses necessitados na Tailândia. Só Macau (governo e consulado) fez alguma coisa pelos portugueses vítimas do maremoto - se houver dúvidas, pergunte-se-lhes. Apesar de o apoio ter chegado ainda domingo à noite à Tailândia, o secretário Chui Sai On não hesitou em dizer que se podia ter feito melhor. O MNE português continua a achar que estiveram bem.

Citando o irmão de uma das vítimas, já em desespero de causa quando procurava apoio da embaixada em Banguecoque: «consegui chegar-lhe ao cérebro?» Ou as vossas coisas políticas justificam tudo?

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