27 de setembro de 2004

O IPPAR não respondeu... Porquê?

Submete-se à atenção geral, o texto do historiador Carlos Luna. A questão
Olivença, claro, ou não seja um dos fantasmas que atormenta a consciência
diplomática das Necessidades.

Arquive-se.

OPINIÃO
A CIMEIRA IBÉRICA DE 1 DE OUTUBRO

A data de 1 de Outubro de 2004 caracterizar-se-á por uma Cimeira Ibérica, desta vez em Santiago de Compostela. É assinalável a regularidade com que estes encontros têm decorrido, principalmente após a restauração das democracias na Península desde 1974-1975.

Equipas de especialistas de ambos os Estados discutirão vários "dossiers", sendo de esperar avanços em vários domínios, num clima de cordialidade. É isso que se deseja. Ninguém de bom senso quererá que Portugal mostre má-vontade, ou desejará que a Espanha tenha uma atitude negativa. Claro, lamentar-se-á que Portugal não consiga dividendos assinaláveis, ou que não consiga equilibrar mais a seu favor várias questões, quase todas de âmbito económico. Isso dependerá da atitude portuguesa nessa cimeira, embora, como sabemos, muito do que poderia ter sido feito neste sentido tenha vindo a ser "adiado" ao longo dos anos. Não são os espanhóis que muitas vezes se têm posto em vantagem em relação a Portugal. Têm sido os portugueses a permitir, e por vezes a aplaudir (!), que uma tal relação de forças se tenha vindo a estabelecer.

Caberá aos responsáveis portugueses, sejam quais forem os governos ( o actual, e os futuros), elaborarem e porem em prática estratégias e políticas que "melhorem" a situação, ou a "classificação" de Portugal neste "Torneio" Ibérico. E, claro, a toda a sociedade... a começar pelos reputados especialistas que denunciam (e bem!) as fraquezas e os erros da sociedade e do País em geral, mas que (e mal!) não tentam sequer apontar soluções, preferindo o discurso, que parece estar na moda, de que só resta a Portugal chorar sobre os seus "podres" para os quais não há solução possível. Triste País que tais elites ouve... e aplaude!

O que não se pode negar, penso, é a inegável vontade de Lisboa no sentido de "limar arestas" em relação a Madrid. Em qualquer cimeira, a vontade portuguesa tem sido quase sempre a de chegar a acordo com os políticos espanhóis. Atitude que, aliás, é, em geral, louvável. Também muitas vezes Madrid "lima" algumas "arestas". Afinal, o bom relacionamento entre os dois países convida a um clima de amizade.

Todavia, em muitos "dossiers", tem-se a sensação de que os pontos de vista espanhóis são quase sempre os adoptados pelos negociadores de Lisboa. È incompreeensível que tal assim tenha sido em alguns dos casos conhecidos. Parece haver um medo de "contrariar" Espanha, mesmo em detalhes insignificantes, por parte da maioria dos governantes portugueses. E esta atitude não será talvez muito saudável nem conveniente. Uma amizade verdadeira pressupõe discussões, perdas e ganhos. Nunca uma sujeição total de um ou outro interveniente.

Vários casos se poderiam citar de "capitulação" portuguesa... passe o exagero da expressão. Mas há um que não pode ser deixado em claro. É um caso que, por ser talvez o mais antigo, e por ter reflexos ao nível da partilha dos lençóis de água criados com o Alqueva, está sempre presente. Refiro-me, como já muitos terão percebido, a Olivença. Não tanto pelo facto de o Estado Português, como se sabe, apesar de não reconhecer a soberania espanhola sobre a Região, adiar quase constantemente a colocação na Agenda Diplomática da Questão ( o que é inadmissível; basta comparar com a persistência espanhola em torno de Gibraltar ). Mas principalmente, neste momento, pelo que se está a passar em torno da Ponte da Ajuda,sobre o Guadiana, entre Elvas e Olivença.

Convém recuar um pouco no tempo. Em 1994, Portugal decidiu, nomeadamente graças ao Ministro Durão Barroso, que Lisboa tomaria a seu cargo, integralmente, para que não houvesse sinais de que abdicava de reivindicar a região, a Construção de uma nova ponte no local e a recuperação da Velha Ponte Manuelina, o que foi aceite por Madrid. Em Outubro de 1999, forças policiais espanholas intervieram decididamente nas obras em curso, paralizando-as. Já depois de a nova Ponte ter sido inaugurada em 11 de Novembro de 2000, soube-se que se fizera um estranho acordo, pelo qual o Instituto de Estradas de Espanha poderia recuperar a velha Ponte após parecer do IPPAR. Sem esperar este parecer, que aliás acabaria por ser negativo, a Espanha começou a efectuar obras na velha ponte em 2003, o que motivou tantos protestos que foi decidido parar.

Com estupefacção, soube-se que a Espanha apresentara novo projecto ao IPPAR, a que este não respondeu, talvez por considerar o seu primeiro "não" definitivo, e que tal ausência de resposta fora interpretada como um sim ao recomeço das obras por Madrid, já a partir de Outubro de 2004 (Jornal "Hoy", Badajoz, 11 de Setembro de 2004), a "confirmar na Cimeira Ibérica de 1 de Outubro"(!) .Pior, a Junta da Extremadura (espanhola, evidentemente), declarou, por essa altura, a Ponte da Ajuda "monumento extremenho/espanhol"... sabendo perfeitamente que a mesma fora declarada monumento português desde 24 de Janeiro de 1967. O que significa que tomou uma decisão unilateral, com laivos ofensivos.Mesmo porque, a 25 de Junho deste ano, todos os partidos políticos parlamentares portugueses concordaram, sem excepção, que havia dúvidas fundamentadas sobre a administração espanhola em Olivença!

A Imprensa Portuguesa quase não noticiou estas decisões extremenhas/espanholas de Setembro. Aguarda-se com alguma impaciência qualquer afirmação que esclareça o que pensa Lisboa de tudo isto. Não o fazer, poderá significar que se abdicou até do Direito à Indignação. Ou até do Direito de ter uma Diplomacia própria dum país independente, séria, capaz de se fazer respeitar dentro das normas mais elementares do Direito Internacional, a que Portugal e Espanha estão subordinadas.

É de presumir que Madrid compreenderá que, numa amizade verdadeira e entre entidades soberanas e iguais em direitos e DEVERES, não é possível tomar este tipo de atitudes. E talvez Lisboa comece finalmente a comprender que é quando existe um clima favorável na relação entre dois povos que se devem resolver os litígios pendentes. Sem por em causa amizades, mas sem abdicar de princípios justos.

Estremoz

Carlos Eduardo da Cruz Luna (Prof. História)

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