Intervenção do Presidente da República
na Comemoração dos 101 anos da Proclamação da República
Celebrámos em 2010 o centenário da instauração da República. Este ano, neste dia 5 de Outubro, a República Portuguesa inicia o segundo centenário da sua existência.
Neste novo século republicano, os Portugueses vivem tempos de incerteza perante o que o futuro lhes trará. No plano internacional, emergem sinais preocupantes de que a situação económica e financeira se poderá agravar de novo. Num mundo cada vez mais globalizado e interdependente, o mau desempenho das economias desenvolvidas irá reflectir-se inevitavelmente sobre as outras economias.
No mundo novo deste século novo, a Europa encontra-se numa encruzilhada quanto ao seu futuro. Os princípios fundadores do projecto europeu estão a ser postos à prova de uma forma muito profunda e até dramática.
Vivemos dias que são um teste decisivo para a vitalidade da União Europeia e compete-nos a todos nós, povos deste Continente antigo, decidir se queremos uma União que seja um mero aglomerado de mercados ou se, pelo contrário, desejamos concretizar a aspiração de uma Europa coesa e solidária, unida tanto nos bons como nos maus momentos. Só dessa forma a Europa será fiel às suas raízes e conseguirá satisfazer os anseios de bem-estar partilhado que estiveram na génese das Comunidades.
Os líderes europeus da actualidade têm de saber estar à altura dos ideais grandiosos de Jean Monnet ou de Robert Schuman.
Portugal tem de se afirmar, no contexto de uma União Europeia digna desse nome, como um Estado credível e como uma República que honra os seus compromissos.
Temos de ser um país determinado a resolver os seus problemas, de forma livre, soberana e independente. Poderemos ser ajudados em alturas de dificuldades, mas que nenhum português tenha dúvida: é a nós, cidadãos desta República, que cabe construir uma economia saudável e encontrar caminhos de futuro. Se não fizermos o nosso trabalho, de pouco adiantará receber um auxílio que é necessariamente limitado no montante e na duração.
A adesão de mais de metade dos actuais Estados-membros da União Europeia é posterior à nossa. Temos, também por isso, especiais responsabilidades na valorização do projecto europeu. É essencial que o País inteiro seja um agente activo da defesa e do aprofundamento de um projecto comum, cujo enfraquecimento representaria uma irreparável perda para todos os povos da Europa.
Sem qualquer dúvida, o fracasso da experiência do euro iria arrastar consigo toda a União, mergulhando-a num turbilhão de resultados imprevisíveis. A diluição da zona euro seria o início de um processo que culminaria na destruição da Europa unida, tal como a conhecemos e ambicionámos. Se isso acontecesse, que credibilidade apresentariam os países europeus no quadro de um mundo globalizado e extremamente competitivo?
É esta a grande questão que os líderes europeus devem colocar, a si próprios e aos cidadãos dos seus países.
Portugueses,
Vivemos tempos muito difíceis. Essa é uma realidade que ninguém de bom senso poderá negar. Durante alguns anos, foi possível iludir o que era óbvio, pese os avisos que foram feitos dos mais diversos quadrantes. Agora, estamos confrontados com uma situação que irá exigir grandes sacrifícios aos Portugueses, provavelmente os maiores sacrifícios que esta geração conheceu.
Temos de ter presente, ainda assim, que Portugal atravessou crises difíceis ao longo da sua existência multissecular. Difíceis foram os tempos que antecederam a Primeira República, como difíceis foram os anos da Grande Guerra em que participámos com o sangue dos heróis.
Difíceis são as missões das Forças Armadas, em Portugal e no estrangeiro, merecedoras da nossa admiração e respeito e nas quais os Portugueses se revêem pelo sentido de dever e pelo seu carácter eminentemente nacional.
Difíceis foram os tempos do passado, mas aqui estamos, hoje, para celebrar a República a que nos orgulhamos de pertencer. Neste país onde vivemos, na terra onde morreram os nossos antepassados e onde nasceram os nossos filhos.
É justamente por isso que, nos nossos dias, se torna tão premente reinventar o republicanismo, fundar um espírito republicano ajustado às exigências cívicas do novo século.
Tempos como este são difíceis, sem dúvida, mas os tempos difíceis são tempos de ensinamentos e a crise possui virtualidades que nos fazem mais fortes, porque mais conscientes e realistas.
Perdemos muitos anos na letargia do consumo fácil e na ilusão do despesismo público e privado. Acomodámo-nos em excesso. Agora, temos de aprender a viver de acordo com as nossas possibilidades e a tirar partido das nossas potencialidades.
A crise que atravessamos é uma oportunidade para que os Portugueses abandonem hábitos instalados de despesa supérflua, para que redescubram o valor republicano da austeridade digna, para que cultivem estilos de vida baseados na poupança e na contenção de gastos desmesurados, para que regressem ao consumo de produtos nacionais, para que revisitem o seu país e aí encontrem paisagens esquecidas e um património histórico que só sendo conhecido pode ser acarinhado e preservado.
O republicanismo deste novo século deverá ser mais exigente quanto à justiça na distribuição da riqueza e na repartição dos sacrifícios. Portugal vinha acumulando intoleráveis assimetrias, para as quais múltiplas vezes chamei a atenção dos Portugueses.
O País acusava a marca de graves desequilíbrios no ordenamento do território, na disparidade de rendimentos, nas desiguais oportunidades que concedia às diversas gerações.
O reajustamento financeiro do Estado e a reorganização da sua estrutura não podem perder de vista a necessidade de corrigir os défices de justiça territorial, social e geracional que vinham corroendo as bases da coesão de cidadania que deve existir entre os membros de uma República una e solidária.
A cultura republicana implica uma reforma profunda do exercício de funções públicas. Precisamente porque se pedem mais sacrifícios, o exemplo dos agentes políticos tem de ser mais autêntico.
Em momentos como o presente, diminui de forma substancial a tolerância dos cidadãos perante o despesismo público e o gasto improdutivo, o que constitui um efeito positivo da situação que atravessamos.
Temos agora a oportunidade de, quer na esfera privada, quer na esfera pública, corrigirmos defeitos e erradicarmos vícios que, de outro modo, permaneceriam longe do olhar crítico dos cidadãos, mas não deixariam de os afectar no seu quotidiano e no futuro das novas gerações.
Os cidadãos da República centenária são mais exigentes quanto à necessidade de uma mudança profunda da acção política e têm plena consciência de que a Justiça do seu país tem de ser um factor de desenvolvimento e não um elemento de paralisia da actividade económica e da vida social.
Há mais de um século, dizia Oliveira Martins que, quando aparecem as crises, «vê-se mais ao vivo como as coisas são na realidade». Estamos agora confrontados com a realidade.
Acabaram os tempos de ilusões. Temos um longo e árduo caminho a percorrer, para o qual quero alertar os Portugueses de uma forma muito directa: a disciplina orçamental será dura e inevitável, mas se não existirem, a curto prazo, sinais de recuperação económica, poder-se-á perder a oportunidade criada pelo programa de assistência financeira que subscrevemos.
A par do inevitável saneamento das contas públicas, tem de existir revitalização do tecido produtivo nacional, investimento privado, combate ao desemprego, aumento da produtividade e da produção de bens e serviços capazes de concorrer nos mercados externos. Se tal não ocorrer, os desequilíbrios financeiros terão uma correcção meramente temporária e estaremos de novo colocados na contingência de recorrer à ajuda externa, a qual, a acontecer, se irá processar em condições ainda mais gravosas para os Portugueses. Temos de o evitar a todo o custo.
Há um caminho, estreito e difícil, que passa pela disciplina na utilização dos dinheiros públicos e pelo aumento da poupança interna, mas também pelo crescimento da nossa economia.
Temos potencialidades de que nem sempre nos apercebemos. A segurança favorece o desenvolvimento do turismo de qualidade. Os oceanos permanecem em larga medida por explorar, em tudo aquilo que nos podem oferecer de forma sustentável.
Os mercados da reabilitação urbana e do arrendamento devem ser activados, do mesmo modo que urge salvaguardar o nosso património histórico-cultural.
No aproveitamento da floresta e na produção de produtos regionais de referência, há um longo percurso a trilhar. Mas, acima de tudo, dispomos actualmente de gerações qualificadas e empreendedoras, cujo talento e cujo dinamismo não podemos desperdiçar.
Em tempos de escassez económica, há também que redescobrir o valor da cultura e dar prevalência à dimensão espiritual sobre a dimensão material da vida humana.
As iniciativas de voluntariado e de apoio aos mais carenciados, frequentemente protagonizadas por jovens, são um sinal encorajador de que é possível ter esperança. A par de uma justa repartição dos sacrifícios, tem de existir uma especial preocupação de inclusividade e de protecção daqueles que verdadeiramente precisam do nosso auxílio. Combatendo o desperdício de recursos, o Estado deve dar às famílias um exemplo de parcimónia e contenção.
Das empresas, por seu turno, espera-se um aumento da respectiva responsabilidade social, em particular nas regiões onde se inserem e geram riqueza e emprego.
A escola deve pautar-se por critérios de qualidade e exigência, pois só assim cumprirá o ideal republicano de pedagogia democrática.
Dos autarcas reclama-se uma maior atenção ao reforço da capacidade produtiva dos seus municípios e o lançamento de programas de apoio social, em articulação com as instituições da sociedade civil.
Portugueses,
Estamos no início do novo século republicano. Os Portugueses têm de saber o que pretendem do Estado e dos poderes públicos num contexto de grande escassez de recursos. Mas, acima de tudo, os Portugueses têm de saber o que querem fazer do seu futuro colectivo, agora que chegou um tempo em que não bastam os sacrifícios, mas em que é crucial poupar mais, trabalhar mais e melhor e fazer crescer a economia.
Não podemos agarrar-nos a soluções fáceis que a realidade depressa irá desmentir. Todos sabemos que não poderemos continuar a viver acima das nossas possibilidades. Temos de aprender a viver de acordo com o que produzimos, na consciência de que só produzindo mais e com mais qualidade iremos viver melhor.
Não duvido de que somos capazes. Provámo-lo no passado, provamo-lo todos os dias, em Portugal mas também no estrangeiro, seja nas comunidades da diáspora, seja no vasto conjunto de jovens investigadores que se destacam em diversas universidades por esse mundo fora.
Neste 5 de Outubro de 2011, exorto os Portugueses a trabalharem de acordo com as suas imensas capacidades, na certeza de que é esse o único caminho para construirmos a República do segundo centenário. Uma República mais livre, mais autêntica e mais justa.
Sem comentários:
Enviar um comentário