26 de novembro de 2008

«Percursores». Diz que é uma espécie de «corpo diplomático europeu» a assessorá-lo

Terceira intervenção de Teresa Gonçalves, como secretária de Estado dos Assuntos Europeus, no Auditório do Instituto Português da Juventude (Castelo Branco, 24 Nov 2008).

Destaques de NF.

O Tratado e o Futuro


Intervenção de Teresa Gonçalves

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Foi com enorme prazer que correspondi ao convite que me foi dirigido pela Representação da Comissão Europeia, congratulando-me e felicitando a Câmara Municipal de Castelo Branco por se ter associado em moldes tão empenhados a esta iniciativa.

É também com uma forte convicção que me dirijo hoje a esta plateia. A de que o debate sobre a actualidade europeia, tal como a construção da Europa, se deve legitimar junto dos cidadãos, de forma democrática e descentralizada, tanto a nível nacional como europeu.

Em Portugal, com a aprovação do Tratado de Lisboa, foi dado um significativo passo no sentido do reforço da legitimidade democrática do processo de integração europeia. Tal legitimação advém não apenas do facto de o Tratado, relativamente aos que o precederam, introduzir inovações de fundo, realçar políticas comuns já existentes e conferir maior coerência sistémica ao conjunto das matérias tratadas, mas, sobretudo, reorganizar os equilíbrios institucionais, de forma por todos julgada necessária para enfrentar os desafios que à UE se deparam.

Não pretendo aqui fazer uma análise comparativa entre o Tratado de Lisboa e as actuais versões do Tratado da Comunidade Europeia e do Tratado da União Europeia, nem abordar exaustivamente as suas disposições, sem prejuízo da sua relevância. Permitir-me-ia contudo salientar que o Tratado de Lisboa claramente reforça a legitimidade democrática no processo de decisão, funcionamento e aplicação das políticas da União, não assentando tão-só na acção dos Governos dos vários Estados Membros. Em concreto, por se traduzir num reforço do papel do Parlamento Europeu - ao alargar a sua participação aos processos legislativo e de decisão comum -, num maior envolvimento dos Parlamentos Nacionais - que vêem aumentada a sua capacidade de fiscalização do cumprimento do princípio de subsidiariedade -, na maior transparência e abertura na actuação das instituições, órgãos e organismos da União, e, finalmente, na acrescida participação dos cidadãos, consagrando a sua vontade e direito de, individualmente, acompanharem o que se passa na Europa e influenciarem o futuro da integração europeia.

Em relação a este último ponto, que considero fundamental, gostaria de notar que a União Europeia, além de traduzir a ideia dos seus fundadores e a convicção dos seus percursores, é, antes de mais, um projecto político, que, de forma democrática e transparente, se sujeita ao sufrágio dos cidadãos como a melhor resposta à defesa da nossa identidade, necessidades e interesses enquanto europeus. E, enquanto política que visa uma integração mais forte entre os seus Estados e os seus Povos, não compromete o respeito pela pessoa humana na sua individualidade e também na sua dimensão comunitária.

É na base desta ideia e convicção profundas que se fundamenta a posição do Governo português de respeitar a opinião do povo irlandês expressa nas urnas no passado dia 12 de Junho. Pese embora partilhar a frustração por todos sentida perante o impasse político em que se encontra a União, Portugal compreende bem a posição difícil e apoia os esforços em curso na Irlanda, convicto de que não se trata de um problema irlandês, mas sim da União. Nessa medida, tem Portugal defendido que deve ser dado tempo ao Governo irlandês para analisar os resultados do referendo, esperando que a Irlanda apresente ao Conselho Europeu de Dezembro os elementos, e passo a citar, «de uma solução e uma via comum a seguir», tal como ficou decidido no Conselho Europeu de Outubro passado. Importa aqui notar que consideramos inaceitáveis soluções que possam implicar o isolamento ou a exclusão da Irlanda, defendendo, na linha do que sempre fizemos em circunstâncias igualmente difíceis do processo de construção europeia, que a União deve avançar a 27.

Abstenho-me aqui, deliberadamente, de antecipar possíveis cenários negativos, ou planos alternativos, pois acredito que os desafios se vencem pela positiva. Em qualquer circunstância, impõe-se reafirmar que Portugal partilha um consenso generalizado entre os Estados Membros no sentido da prossecução dos restantes processos de ratificação e da não reabertura de negociações quanto ao texto acordado do Tratado. Quero aqui também deixar bem claro que o Governo português considera que o Tratado mantém plena actualidade e continuará a trabalhar para que este venha a entrar em vigor, contribuindo para uma Europa mais forte, coesa, democrática e transparente.

Nesta perspectiva, parece indesmentível o facto de, recentemente, se ter consolidado na Europa, e no resto do mundo, a convicção de que o fortalecimento do projecto político europeu, como prevê o Tratado de Lisboa, é a melhor resposta aos desafios colocados pela actual conjuntura internacional, caracterizada por uma crise de natureza e dimensão ainda imprecisas, com conflitos em várias partes do mundo, e uma turbulência financeira e económica de especial complexidade.

Atenta a interdependência que hoje caracteriza o funcionamento da economia, e não havendo ainda resposta às grandes questões que se colocam perante um cenário global de recessão - designadamente o grau de intensidade e a duração da crise -, estou convencida de que a resposta da Europa, pondo à prova as suas capacidades e as dos seus dirigentes, acentuou um sentimento de pertença a um espaço comum, mais integrado e protegido.

Em boa verdade, seria porventura politicamente desonesto da minha parte subestimar os novos argumentos a favor do Tratado que se oferecem perante a dimensão dos problemas que afligem a nossa geração e as gerações futuras.

Entre outras situações, o conflito no Cáucaso e a crise sem precedentes nos mercados financeiros internacionais evidenciarem, de forma mais precisa, a necessidade de uma Europa concertada, capaz de reagir e de gerir, de modo mais eficaz e coordenado, as crescentes dificuldades no domínio da política externa. Acredito firmemente que é dever da Europa assumir tal papel, que corresponde, também, à expectativa da comunidade internacional, à escala global, num cenário de crise mundial.

O governo português partilha naturalmente esta avaliação que tem vindo a ser assumida, clara e publicamente, por muitos dos nossos parceiros europeus, inclusivamente pela Irlanda. O Tratado é necessário porque, além de preparar a União para um melhor funcionamento numa Europa alargada, cria as condições institucionais de maior eficácia no seu desempenho.

Permitam-me aqui destacar algumas das alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa, no capítulo institucional, que julgo não serem despiciendas face à exigência constante, e presentemente acrescida, de adopção de decisões inadiáveis em matérias cruciais, do interesse de cada um e de todos os Estados da União.

A consagração do Conselho Europeu, como instituição própria da União é, a meu ver, numa perspectiva de futuro, mas de grande importância no imediato, a primeira grande alteração de fundo proposta pelo Tratado. Decorre desta uma outra, mas não de somenos importância, medida em termos de reforço da capacidade de acção da União: a existência de um Presidente do Conselho Europeu, estável, que, em larga medida, passará a exercer o tipo de competências actualmente cometidas ao Primeiro-Ministro do Estado Membro que exerce a Presidência rotativa em cada semestre.

Outra importante alteração institucional, na área da PESC e da PESD, é a nomeação de um Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que passará a ser o porta-voz e o interlocutor privilegiado da União no plano externo.

Este Alto Representante terá a assessorá-lo uma espécie de «corpo diplomático europeu», em Bruxelas e no exterior, composto por representantes dos Estados Membros, da Comissão e do Conselho. Pese embora a complexidade deste novo serviço do ponto de vista institucional, nomeadamente em termos de composição, estrutura, funções, responsabilidade, financiamento etc., está em causa um serviço diplomático europeu integrado, que reflecte e actua na base de uma ideia e de um interesse europeu em matérias fundamentais para a União, e para o qual Portugal deve contribuir activamente.

Afigura-se, pois indiscutível que, ao criar os cargos de Presidente do Conselho Europeu e de Alto Representante, o Tratado garante uma maior visibilidade, coerência, eficácia e operacionalidade à acção externa da União, reforçando assim a sua capacidade de decisão e de resposta aos crescentes desafios no quadro diplomático internacional.

Em qualquer circunstância, o Governo português tem, presentemente, a firme convicção de que a vontade política que marcou o compromisso de Lisboa se mantém nos nossos parceiros europeus e, porventura mais ainda, nos próprios responsáveis do Governo e dos principais partidos políticos da Irlanda.

Terminaria a minha intervenção reiterando a ideia de que parti. Com o Tratado de Lisboa deu-se um passo em frente na construção da Europa. Não será certamente o último mas é, a meu ver, aquele que pode, nas circunstâncias actuais, melhor contribuir para a construção europeia, oferecendo soluções institucionais e reforçando políticas que nos habilitam a responder em moldes mais performativos à Europa alargada e em alargamento, e aos novos desafios políticos, económicos e sociais. Mas, permitam-me sublinhar, o Tratado é apenas um instrumento, um meio, porventura uma oportunidade face aos actuais desafios. Acredito firmemente que o futuro, e também o sucesso, da Europa, residirá nos cidadãos, portugueses, europeus. A Europa deverá ser o que os seus cidadãos precisam e desejam que ela seja. A legitimidade da construção e da integração europeia reside em todos nós e todos devemos contribuir para que a Europa se concretize de forma inclusiva, transparente e, sobretudo, democrática.

Obrigada.

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