25 de abril de 2006

Sobre o cravo de Abril. Apenas Seixas da Costa, até agora

Satisfazendo pedido de VEXA e feita a ronda por várias capitais, cumpr-me informar que, até este momento, sobre a dta da instauração da Democracia em Portugal,apenas registámos um artigo do Embaixador Francisco Seixas da Costa, chefe da missão em Brasília, publicado no jornal "O Globo". Transcreve-se.

Arquive-se.



ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO
NO ANIVERSÁRIO DO 25 DE ABRIL

O Brasil
e a liberdade dos Portugueses


Francisco Seixas da Costa*

Em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, uma sublevação militar pôs fim, em menos de 24 horas, a um regime de 48 anos, punido por não ter sabido preparar a sua própria sucessão. Seguiu-se um período revolucionário, marcado pela tensão das transições em ruptura, que a sabedoria popular viria a decantar no actual regime democrático.

O país sustentava então, em África, desde há mais de uma década, três guerras simultâneas, num esforço para tentar preservar a soberania lusa sobre o que restava do seu antigo império. Dele eclodiram novos países, gerados num ambiente de turbulência sócio-política que muito se iria prolongar no tempo. Tais rupturas não se fizeram sem custos humanos e materiais, sem dramas pessoais resultantes das contradições de interesses e perspectivas – a uns ressoando a clamorosa injustiça, a outros às inevitabilidades da História.

Sem surpresa, o Brasil acabou por ser um dos mais importantes portos de acolhimento para quantos, no Portugal convulso de então, se não adaptaram ao desconforto dos novos ventos, temendo pela sua segurança. Para aqui vieram empresários e quadros superiores, mas também políticos derrubados pela Revolução, entre os quais os chefes do Estado e do governo do anterior regime. Dos novos países da África, que, em alguns casos, passaram a palcos de guerras internas, chegaram também ao Brasil muitas famílias, por vezes em desespero, que aqui vieram a encontrar novas razões para alimentar a sua esperança.

Hoje em dia, a memória que no Brasil ficou dos refugiados políticos portugueses tende muito a fixar-se nesse movimento de gentes gerado após 1974. Mas é importante deixar claro que quantos temeram a Revolução dos Cravos e as suas ondas de choque, muitos dos quais cedo regressaram a Portugal, não foram – longe disso ! – os únicos usufrutuários históricos da hospitalidade política brasileira.
Para não falar de tempos mais longínquos, lembraria que o regime político titulado por Oliveira Salazar e Marcello Caetano, que o movimento de Abril de 1974 derrubou, foi, ele próprio, e desde o seu início, fautor do exílio de muitos que se lhe opuseram. Republicanos que resistiram à Ditadura militar de 1926, socialistas, comunistas e anarquistas perseguidos pela sua participação em conspirações revolucionárias, intelectuais de diversas matizes ideológicas – todos puderam encontrar no Brasil, nos tempos mais diversos da sua situação política interna, espaço e liberdade para estabelecerem a sua vida e, em muitos casos, para prosseguirem o seu objectivo de continuar a combater, do exterior, o regime que recusavam e que os recusava em Portugal.


Ao Brasil chegaram, nos anos 30 e 40, militares revolucionários como Sarmento Pimentel, Oliveira Pio, Jaime de Morais ou Sarmento de Beires. Aqui se acolheu, em 1959, Humberto Delgado, o general que ousou dissentir de Salazar e que a pertinácia de Álvaro Lins resgatou. Em Recife, aportou, em Janeiro de 1961, o paquete “Santa Maria”, ocupado por um grupo revoltoso chefiado por Henrique Galvão, também ele um salazarista desiludido. Aqui ensinaram vultos ilustres da intelectualidade portuguesa que se opunha ao regime, como Jaime Cortesão, Rodrigues Lapa, Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena, Ruy Luís Gomes e tantos outros.

Não está feita a história colectiva da oposição ao Estado Novo português no Brasil – e ela terá de fazer-se um dia. Uma história de pertinácia e sacrifícios, marcada por contradições e muitos conflitos, como é sina de todas as culturas de exílio, e onde avultou o papel do jornal “Portugal Democrático” – que aqui se publicou de 1956 até depois da Revolução portuguesa, curiosamente sobrevivendo durante todo o regime militar brasileiro.

O dia em que Portugal comemora oficialmente a data que restituiu ao país a sua liberdade é ocasião certa para recordar que o Brasil e o povo brasileiro também nos ajudaram a cultivá-la.

*Embaixador de Portugal no Brasil

Sem comentários: