7 de maio de 2004

O ensaio de A. Z. Sobre o concurso e o estado do MNE

Submete-se à consideração de VEXA, a reflexão de A. Z. que poderia muito bem ter sido uma conferência na Sociedade de Geografia de Lisboa com o apoio do Instituto Diplomático, mas não foi.

Arquive-se.


«O CONCURSO PARA ADIDOS DE EMBAIXADA

«O concurso de entrada para a Carreira Diplomática que terá lugar em 2004 é um momento precioso para garantir que este importante sector da função pública fica dotada dos melhores e dos mais capazes. Ainda para mais num tempo em que há grandes restrições nas admissões ao Estado e em que o MNE, desde há vários anos, não recruta novos diplomatas. A entrada simultânea de 40 novos Adidos de Embaixada não é uma decisão que se possa saudar: teria sido preferível escolher apenas 10 ou 12 novos diplomatas, garantindo o Governo que, em cada ano futuro, tal se repetiria. Só assim se faria uma selecção de grande qualidade, aproveitando a circunstância de haver imensos licenciados sem emprego, logo, uma base de recrutamento muito alargada e, com toda a certeza, com gente muito qualificada. Isso também permitiria que as Universidades pudessem contar, todos os anos, com um destino para os seus licenciados interessados na área diplomática. Ficaria caro, em termos de organização de provas ? Nada é mais caro do que correr o risco, como no passado sempre se provou com a admissão de grandes contingentes de diplomatas, de vir a ter pessoal menos qualificado. Uma diplomacia como a portuguesa, com um quadro de responsabilidades muito exigente, não se pode dar ao luxo de ser mal representada.

Contrariamente à voz corrente nas Necessidades, não há falta de diplomatas na Carreira portuguesa. Os quadros do MNE – diplomatas e técnicos especializados - são mais do que suficientes para o conjunto de postos existentes, em especial num momento em que se está a proceder à racionalização da rede consular e em que as embaixadas nos países da União Europeia têm que redimensionar-se à luz das suas novas atribuições, isto é, perante a realidade de terem perdido muito do que eram as suas funções tradicionais. O que o MNE está a sofrer é a consequência da demagogia de ter acabado, há alguns anos, com as promoções entre as três categorias de Secretários de Embaixada, assim criando uma vaga de subidas automáticas por antiguidade, sem que os menos capazes tenham ficado para trás e sem que, como é habitual, o MNE tivesse tido a coragem de afastar, após os dois anos exigidos de experiência, os Adidos de Embaixada tidos como incapazes.

A vaga de promoções por antiguidade decorrente do fim das promoções entre as categorias de Secretários está agora a criar uma pressão enorme para o alargamento do quadro de Conselheiros de Embaixada, com o esvaziamento consequente das categorias inferiores. Essa pressão vai ao ponto de, uma vez mais, querer acabar com o concurso para a categoria de Conselheiros de Embaixada, “facilitando” assim o enchimento dessa mesma categoria. No MNE, cada vez há “mais chefes e menos índios” e, em especial, os “chefes” não querem fazer o trabalho dos “indios”, pelo que precisam de novos “índios”. A ideia em curso, liderada por um conjunto de “jeunes loups”, também conhecidos pelos “talibans das Necessidades”, de promover o alargamento dos quadros nas categorias superiores da Carreira – Conselheiros e Ministros Plenipotenciários - é um expediente que, a prazo, vai colocar a Carreira com um formato de um “cogumelo”, que será ingerível em termos administrativos. Se o Ministério das Finanças ceder a esta demagogia corporativa estará a ajudar a destruir a Carreira diplomática, para favorecer, na conjuntura, um grupo com capacidade de pressão. Depois, seguir-se-ão novas pressões para alargar o quadro de Embaixadores “de número”, que já é um dos maiores da Europa! A prevalecer esta ideia, o MNE, dentro de poucos anos, vai ter os seus corredores cheios de Conselheiros de Embaixada e de Ministros Plenipotenciários, dando de si próprio uma imagem ridícula perante o mundo diplomático internacional. Em especial, é de espantar que a esta ideia, sem qualquer sentido, tenham aderido alguns diplomatas e embaixadores prestigiados, que parece não saberem medir as consequências do seu gesto.

Voltando ao futuro concurso para Adidos de Embaixada, há algumas condições essenciais que o mesmo deverá ter, para ser um eficaz momento de selecção. Aqui vão algumas ideias:

  • É importante que o programa do concurso seja moderno e actualizado, focando as temáticas que, realmente, importam à formação técnico-profissional dos diplomatas: questões europeias, história diplomática contemporânea, grandes questões económicas e do desenvolvimento internacionais, direitos humanos e as novas dimensões do direito internacional, etc. A valoração das matérias relevantes para a imprescindível Diplomacia Económica, bem como uma sólida cultura geral que permita a Portugal apresentar diplomatas cultos pelo mundo fora é, da mesma forma, absolutamente essencial.

  • É importante que haja um extremo cuidado com a exigência requerida em termos dos conhecimentos, escritos e orais, das línguas portuguesa e inglesa, que hoje são as “armas” básicas para a acção e as negociações. Tem de se assumir, sem complexos nem nostalgias de geração, o inexorável declínio da língua francesa, mas conferindo ainda uma valoração particular a quem a conheça, tal como à cada vez mais importante língua alemã. Numa fase de recrutamento, o conhecimento das restantes línguas, se bem que interessante, não é vital numa Carreira onde dificilmente se pode fazer uma especialização regional do percurso profissional.

  • É importante que nas provas de apresentação e de diálogo com os candidatos se dê prioridade à sua capacidade de expressão, de diálogo e de capacidade no contraditório. É também importante detectar, com acuidade e por via psicotécnica, aqueles concorrentes que revelem uma personalidade ou um comportamento potencial inadequado às exigências da vida internacional, às pressões da vida em mundos exteriores, com separação das famílias e situações de guerra e tensão.

  • É importante que o júri seja constituído por personalidades de reconhecido mérito e prestígio na Carreira – e isso não é sinónimo de ocuparem cargos de chefia no MNE, longe disso! Essas personalidades devem também ser conhecidas pela sua total independência, impermeabilidade às “cunhas” e, em particular, pela sua não flexibilidade à tendência para dar acolhimento prioritário aos familiares de actuais ou antigos diplomatas, como infelizmente muitas vezes se verificou no passado.

  • É importante que as personalidades universitárias escolhidas para fazerem parte do júri tenham, para além de credenciais académicas, um perfil adequado a ajuizar a vocação dos candidatos para o exercício de funções internacionais, olhando menos para as habilitações académicas e, muito mais, para o quadro de referências técnico-culturais em que se pode fundar a carreira de um diplomata.

    Todos devemos estar muito atentos ao que se vai passar neste concurso. Ele é também um momento de teste para a seriedade que se espera que o futuro Secretário-Geral coloque no rigoroso exercício do seu cargo de chefia da Carreira Diplomática. Hoje, mais do que nunca, vamos estar atentos !
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