4 de novembro de 2003

Quem é o melhor MNE?

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«Quem é o melhor MNE?
Podemos esperar até 31 de Outubro (Dia das Bruxas, se é que os símbolos são práqui chamados) ou até ao dia de São Nunca à tarde. Adiante.

Quem é o melhor MNE? Quem terá sido o melhor MNE? Quem poderá ser o melhor MNE? Com provas dadas ou sem provas dadas? Com estratégia ou sem estratégia? Com estilo, com que estilo ou sem ele? Só com os que constam da vossa lista ou com outros? É que o elenco é por demais limitado.

Vejamos Teresa Gouveia é MNE há tão pouco tempo que não pode provar absolutamente nada: se é excepcional, boa, razoável, medíocre ou má. Ou então a lógica é um batata. Vem como apaziguadora, vem com a ideia de incluir todos e não excluir ninguém (improviso na cerimónia de beija-mão de 15 de Outubro, nos salões do Protocolo de Estado). É tanto quanto se sabe. É pouco. Muito pouco. É mulher. É simpática. É inteligente. É bonita. Continua a ser pouco. Muito pouco. Quase nada. Estilo? Certo, mas, por enquanto, não chega.

Jaime Gama não é nenhum Talleyrand da diplomacia tuga, Andrade Corvo do século XX ou Kissinger a fugir para o alentado. É apenas um peixe de águas profundas (pelo menos não é um carapau de corrida como a sua camarada de partido, Ana Gomes). Cheira, pois, a peixe. Não gostava (nem gosta) de países com moscas. Estas, porém, gostam de peixe, especialmente em decomposição. Dizem que tinha uma estratégia para a Europa, porque Guterres disso pescava pouco. É uma asserção provavelmente verdadeira, mas quanto ao resto navegava à vista. Correu com José Lamego quando este ousou ter ideias em relação a Angola, menorizando então o cargo de Secretário de Estado, na sua óptica pouco mais que um Director-Geral. Nomeou em seguida Luís Amado. Enfim, quanto à real relevância deste senhor suponho que está tudo dito. O resto...bom, parafraseando Shakespeare: “The rest is silence”. Jaime continua a ser muito popular no MNE, porque pensa que é e assume a postura de um sage, mais do que isso um “expoente da diplomacia” (um pouco na esteira do personagem Mr. Chance no filme do malogrado Peter Sellers “Welcome Mr. Chance”, que de simples jardineiro mentecapto ascende a grande guru da política de Washington); porque é, no fundo, um “blasé”, porque se entregou nas mãos de João “Rambo” Salgueiro, mais conhecido por ser um aldrabão de feira, mas que mantém o seu círculozinho de adeptos no Largo do Rilvas; porque de vez em quando fuma charuto; porque perseguiu apenas q.b. e, sobretudo, porque foi selectivo (e cuidadoso) nas suas perseguições. Como balanço da sua passagem pelo Rilvas, Gama deixou que “Rambo” Salgueiro e a sua trupe de bandoleiros promovessem da forma mais atrabiliária Ministros Plenipotenciários e Conselheiros quem muito bem entenderam, deixando a “carreira” num estado ainda mais lastimoso, do que a fossa em que então já se encontrava e da qual jamais sairá. Não só quem cala, consente: Gama conferiu a tudo isto o seu beneplácito com o sorriso olímpico(ou melhor, esfíngico) que lhe conhecemos. O antigo jornalista do “República”, já estava farto do MNE, mas este aparentemente não está farto de Jaime Gama, ainda vota nele, pelos vistos. Valha-nos esta pastilha elástica que se gruda por toda a parte (nos Açores, “gama” é como os “pachecos” designam o vulgar chicle do continente). Irra!

Deus Pinheiro assume-se como “playboy” e que gosta dos “aspectos lúdicos da vida”. Não passa, porém, de um aldrúbias, de um Chico Esperto de “Ourique’s field.” Entrou nos jogos das Necessidades, achou piada aos diplomatas e aos seus códigos de sociedade quase-secreta e, entretanto, foi votando um ódio de estimação a Durão Barroso. Quando este era seu Secretário de Estado, descreveu-o numa entrevista ao extinto semanário “O Jornal” (creio que em 1990), mais ou menos, neste termos: “Sim, acho que esse senhor dá umas bolsas a uns estudantes africanos”. Está tudo dito. Quando não sabia, inventava. Na Comissão Europeia, para além de jogar golfe, ninguém sabe muito bem o que fazia, se é que fazia alguma coisa. Ficou com o cacau de Bruxelas para a sua jubilaçãozinha e esse ninguém lho tira. Ora, toma! Como dizia De Gaulle a propósito do Brasil e o mesmo se poderá dizer acerca de John God Pine-tree: “C’est pas sérieux!”

Vamos então a Martins da Cruz, um homem inteligente, íntimo de Barroso e com um projecto (o que contrasta singularmente com qualquer dos anteriores) mas detentor de três defeitos graves para os corredores das Necessidades: (i) conhecia de ginjeira o “milieu” ; (ii) tinha uma vassoura e (iii) ...varreu mesmo. Só que não varreu tudo, teve de se acomodar, desde a primeira hora, aos jogos de bastidores e aos fogos cruzados entre Belém, S. Bento e outras sedes menores do Poder da Lusalândia. Mas estava acostumado: com efeito, 9 anos com Cavaco Silva e umas décadas largas de Necessidades foram treino mais do que suficiente. Partiu muita louça, mas não partiu toda a que queria, nem teve tempo para pôr em prática a sua estratégia, apenas a enunciou. O que é pouco. Ficou uma política de “terra queimada”. Em suma: o elefante entrou na loja de porcelanas e escavacou tudo, ou quase tudo, o que viria a seguir não se sabe muito bem o que poderia ser. É conjectural. Martins da Cruz gerou contra si, a nível da corporação, um número infindável de anti-corpos, que dia após dia se multiplicavam. Decididamente, o estilo não era do agrado de “la carrière”. Assim, à primeira curva mais apertada do caminho, a imprensa fez-lhe a cama para gáudio alarve de “tutti quanti”. Consta, mesmo, que a “cama” que lhe foi feita, consistiu num verdadeiro “inside job” – alguém cujo descendente se sentiu prejudicado na entrada para a Faculdade de Medicina terá posto a boca no trombone e...mais não digo.
Martins da Cruz possuía uma estratégia que não se afastava muito da de Durão Barroso: a diplomacia económica (a invenção não é sua mas o empenhamento e a tentativa de implementação efectiva, sim); a defesa intransigente dos interesses nacionais no quadro da “nova Europa”, não só em termos da adesão de novos membros como na CIG e futura constituição europeia; um relacionamento bilateral consequente com os países que mais directamente interessam a Portugal (antes do mais, a Espanha, os EUA, Angola e Marrocos); uma política para o mundo árabe assente, por um lado, na denúncia inequívoca do ex-regime iraquiano e do fundamentalismo islâmico e, por outro, na solução a contento da questão palestina; a aposta no multilateralismo como forma de Portugal ganhar voz e visibilidade internacionais; a reestruturação diplomática e consular; o “aggiornamento” do MNE; os planos (ainda na gaveta, é certo) para uma possível política cultural externa minimamente séria.
É pena ter saído de forma tão abrupta porque poderia ter sido um grande Ministro dos Negócios Estrangeiros, quanto ao estilo, bom, quanto ao estilo...

Finalmente, o sempiterno, omnipresente, verdadeiro e genuíno “MNE”, Durão Barroso, hoje, por sorte do destino também Primeiro-Ministro. Com efeito, com todos os defeitos que se lhe possam apontar ainda é quem verdadeiramente dá cartas em política externa, terreno onde se sente particularmente à vontade. Só Bicesse – e sem prejuízo das vicissitudes do processo de paz angolano que, como se sabe, o fizeram naufragar – vale qualquer dos anteriores currrículos na integralidade ou todos eles juntos. Bicesse foi a visão preclara do diplomata com “D” maiúsculo, do verdadeiro homem de Estado. Barroso é o autor da única reforma do MNE (Lei Orgânica e Estatuto) digna desse nome e a reestruturação que então preconizou, no seguimento e implementação prática das obrigações do Tratado de Maastricht, é a que ainda hoje vigora. Só que Maastricht é, hoje, letra morta, ultrapassado que está pelos acontecimentos supervenientes. Martins da Cruz teve a percepção clara da tarefa a realizar, mas está “out”. Teresa Gouveia será, em grande parte julgada, pela reestruturação que fizer, com ou sem dinheiro. Barroso, porém, teve falhas: por exemplo, fracassou nas negociações (impossíveis) do têxtil na recta final do Uruguay Round (GATT – 1994).

Resumindo e concluindo, só existem dois votos possíveis, no leque limitado de opções proposto: ou votamos em Durão Barroso ou em Martins da Cruz. Não vamos, nem podemos votar em enormes pontos de interrogação (Teresa Gouveia), em espécies piscícolas que, apesar dos anos, nada provaram nem aprovaram (J. Gama) ou em “playboys” lusitanos da Praia dos Tomates (Pinheiro).»

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