Discurso de Cavaco Silva
na Sessão Solene de Boas-Vindas (Câmara Municipal de Castelo Branco)
no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
PARA QUE CONSTE
Dito e escutado a 9 de junho
Destaques de NF
No Jardim do Paço Episcopal de Castelo Branco, as estátuas dos Reis de Portugal contemplam a História que nós, portugueses, todos os dias escrevemos.
Foram erguidas no tempo em que a povoação-fortaleza se começava a espraiar pela Devesa, um terreno deixado ao uso comum. O espaço do povo acolheu, então, a nova cidade.
Castelo Branco cresceu no território do encontro e do confronto. Pelos séculos dentro, foi ocupada e saqueada, mas sempre resistiu. Sempre soube recobrar forças e renascer.
Apesar do isolamento secular, fruto da lonjura da Beira.
Apesar do clima agreste.
Apesar dos terrenos áridos do planalto e da aspereza das serranias onde o albicastrense pousa o olhar.
Apesar de tudo o que convidava os povoadores a partir, Castelo Branco cresceu e desenvolveu-se, dando mostras de que a vontade das gentes se pode impor às circunstâncias da geografia.
O Rei D. José reconheceu-lhe foros de cidade e, cento e vinte anos depois, em Setembro de 1891, com a viagem inaugural da linha de caminho-de-ferro da Beira Baixa, seria definitivamente rompido o isolamento. Abria-se uma nova fase na história de Castelo Branco.
Nos últimos anos, a cidade embelezou-se. Recuperou o seu património histórico edificado, com o grande empenho da Câmara Municipal. Enriqueceu o seu património cultural, merecendo particular destaque a Fundação Manuel Cargaleiro, a quem o fundador, numa atitude exemplar, disponibilizou um espólio notável que o novo museu, que terei a honra de inaugurar seguidamente, irá acolher.
Simultaneamente, Castelo Branco afirmou-se como um centro populacional e industrial, um pólo cuja localização, por mais próxima do resto da Europa, se tornou uma oportunidade que se agarra com ambas as mãos.
Quem hoje a visita encontra uma cidade atractiva e agradável para viver e uma cidade dinâmica que atrai investimento, cria riqueza, aumenta o emprego e promove o desenvolvimento de toda a região.
As figuras de pedra que habitam a Escadaria dos Reis do Jardim do Paço Episcopal a tudo assistiram, impassíveis mas sempre vigilantes.
Porque a vigília permanente é a sorte daqueles que espreitam o futuro. Bem o mostram as colchas de Castelo Branco quando destacam a figura exemplar do galo, ao lado de figuras simbólicas como a árvore da vida repleta de pinhas, que representam a união da comunidade familiar que, na alegria e na dor, preserva os laços solidários.
O galo é aquele que está sempre desperto e sempre atento. O que dá o primeiro sinal. O símbolo da eterna vigilância a que todos estamos obrigados para defesa do interesse comum.
A complexidade artesanal dos bordados de Castelo Branco, de grande riqueza cromática e originalidade decorativa, exprime a singularidade de um modo de vida e o refinamento dos valores que o inspiram.
Na sua execução, a paciência e a delicadeza aliam-se a uma metódica racionalidade, num singular e brilhante processo criativo.
As belas estátuas do Jardim lembram-nos, também elas, as virtudes que nos devem orientar.
A Temperança é aí uma figura feminina que, tranquilamente, deita água de uma estreita vasilha para outra, sem derramar. A exacta imagem da moderação e do equilíbrio. E também do rigor.
A Prudência, por seu lado, segura com firmeza uma serpente na mão direita, enquanto se contempla no espelho que ergue com a mão esquerda.
Pois não é o mais prudente aquele que, resistindo ao mal que vem dos outros, não esquece aquilo que de dentro de si mesmo tem de dominar?
Mas que mal é esse, vindo de nós próprios, que temos de controlar? Será, porventura, a incapacidade de ver claro aquilo que não queremos ver, porque é duro e nos obriga a mudar.
Conhece-te a ti próprio é a máxima que temos de seguir, pois olhar-se sem indulgência e sem ilusões é o começo da mudança para o moderado e prudente.
Recordo o avisado preceito que o pedagogo António Faria de Vasconcelos, distinto albicastrense, nos legou:
“Uma ilusão que desaparece é, no fundo, não obstante tudo, um pouco mais de verdade.”
Pensemos todos nisto. Uma ilusão que desaparece é um pouco mais de verdade. Sejamos, pois, clarividentes.
Pensemos, sobretudo, na necessidade imperiosa de mudar de vida.
Amato Lusitano, o grande médico português do século XVI, nascido em Castelo Branco há precisamente quinhentos anos, relatou nas “Centúrias” o caso do doente que não obedeceu às prescrições do médico.
“- Prometeu ele estar por tudo - descreve Amato -, tendo até feito juramento. Mas, meu Deus, mal tinha bebido o sexto xarope na intenção de o purgarmos, quando comeu ao jantar ovos fritos e não sei que género de mariscos; mas não sem castigo da falta.”
E o principal castigo da sua incapacidade de cumprir rigorosamente a prescrição foi a retirada do médico que o iria curar.
Amato nunca mais regressou a casa daquele paciente incumpridor porque, escreveu ele, “aos que não aceitam as ordens dos médicos, não se deve dar conselho médico”.
Não há cura para aquele que não quer ser curado. Não há ventos favoráveis para aquele que não tem rumo e não sabe para onde tem de ir.
Em Castelo Branco, junto ao Jardim que dá vida à nossa História, por entre as figuras sempre vigilantes dos nossos maiores, meditamos sobre a necessidade de agir com prudência, com rigor, com clarividência.
No dia em que Portugal aqui se reúne, digamo-lo: Castelo Branco é uma lição.
Uma lição de resistência e de permanente renovação. Uma lição de economia e de visão de futuro. Uma lição que nos ensina a estar sempre vigilantes e a não viver de ilusões.
Por tudo, agradeço penhoradamente ao Município de Castelo Branco, na pessoa do seu incansável Presidente de Câmara, a recepção que nos foi dedicada no dia em que a sua cidade é a capital de um País que resiste e se renova.
Agradeço ainda aos albicastrenses de todos os tempos. Por serem como são, por terem feito de Castelo Branco uma cidade exemplar e por oferecerem uma lição de vida que alimenta a nossa crença de que o futuro é possível.
Obrigado.
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