26 de outubro de 2009

Discurso de José Sócrates

Discurso do Primeiro-Ministro
na tomada de posse do XVIII Governo,
no Palácio da Ajuda, em Lisboa.
E lá volta a falar do "interesse geral". Destaques de NF


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O meu propósito
é o de liderar um Governo
que promova o interesse geral

José Sócrates, no Palácio da Ajuda

O sentimento dominante de quem assume funções governativas é, antes de tudo, um sentimento de responsabilidade. Mas é também o sentimento, profundamente republicano, de quem se sente honrado por ter a rara oportunidade de poder servir, em democracia, os seus compatriotas e o seu País.

É com este espírito de serviço que iniciamos funções. É esta consciência – de responsabilidade e de gratidão – que redobra a nossa vontade, a nossa energia e a nossa ambição de servir Portugal.

Um novo Governo é sempre um novo começo. Com uma nova legitimidade. A tomada de posse deste XVIII Governo Constitucional cumpre a vontade clara manifestada pelo voto dos portugueses nas últimas eleições legislativas.

Este voto terá, certamente, vários significados e várias interpretações. Sempre assim é, em democracia. Mas há uma conclusão que se me afigura indiscutível e que tem a maior importância política: o voto dos portugueses foi um voto de confiança numa governação reformista e numa estratégia de modernização do País. Reformas essas que foram sempre norteadas pela ideia sustentabilidade do Estado social e pelo valor da defesa intransigente do interesse geral.

Este facto encerra uma importante lição política para o presente mas também para o futuro: a lição de que é possível fazer reformas e promover mudanças, mesmo que exigentes, contando com o reconhecimento e com o apoio dos cidadãos eleitores.

Mas este voto de confiança é também, e sobretudo, uma escolha para o futuro. Nestas eleições, a escolha dos cidadãos não deixou dúvidas: foi a escolha de prosseguir, com confiança, um caminho de progresso, de mudança e de modernização do País.

Este é o mandato que o Governo recebe do eleitorado, este é o mandato que nos propomos cumprir.

Estes são tempos exigentes e difíceis. Tempos de grandes desafios para todas as nações. A crise económica mundial impõe a todos os países um esforço sério para a recuperação das suas economias. Mas não se trata apenas disso. Esta crise foi também suficientemente profunda para provocar um movimento de mudança na ordem económica mundial e nos equilíbrios geopolíticos globais. Estas mudanças desafiam e interpelam todos os Estados – e também Portugal.

É neste contexto de mudanças e incertezas que se torna ainda mais imperioso que Portugal saiba o que quer e qual o seu caminho. O que se exige da governação nestes tempos é que prossiga um rumo claro e uma estratégia lúcida e ousada de modernização da economia, do Estado e da sociedade portuguesa. E não há rumo claro, sem prioridades claras.

A primeira prioridade é combater a crise. A recuperação da nossa economia será o objectivo central da governação. É no crescimento económico e no emprego que concentraremos o essencial das nossas energias. E, neste contexto económico, o Estado tem aí um papel determinante. Apoiando o investimento privado e as empresas. Defendendo o emprego e incentivando a contratação. Promovendo o investimento público que, ao mesmo tempo, modernize o Pais, dê oportunidades às empresas e estimule a criação de emprego.

A segunda prioridade é a modernização da economia e da sociedade, valorizando o conhecimento, a cultura, a tecnologia, a inovação, o espírito de iniciativa. E quero dar dois exemplos do que significa esta agenda de modernização.

O primeiro, é a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética. A energia é um sector absolutamente estratégico nas economias modernas. O que está em jogo com a aposta nas renováveis é reduzir a nossa dependência do petróleo; é reduzir o endividamento externo que essa dependência provoca; é defender o ambiente e combater as alterações climáticas; é posicionar a economia portuguesa na nova fronteira tecnológica de investigação e desenvolvimento que as mudanças no sector energético estão a provocar nas economias mais avançadas.

O outro exemplo da nossa agenda de modernização é a extensão da escolaridade para todos até ao fim do ensino secundário. Este é um desafio que o País tem de vencer. É para isso que estamos a modernizar o parque escolar; é para isso que estamos a apetrechar tecnologicamente todas as escolas; é também para isso que criámos a nova bolsa de estudos para os alunos do secundário, a partir do 10.º ano. Uma nova geração mais qualificada, que chegue ao mercado de trabalho pelo menos com o 12.º ano, será uma geração mais moderna, mais produtiva, mais empreendedora, mais esclarecida – uma uma geração com mais oportunidades.

A terceira prioridade é a justiça social. É desenvolver as políticas sociais, é qualificar os serviços públicos, é reduzir as desigualdades na sociedade portuguesa. É por isso que defendemos uma Segurança Social pública e forte; um Serviço Nacional de Saúde moderno e qualificado; um sistema público de ensino à altura dos novos tempos e das novas exigências da educação. É também por isso que aprofundaremos as medidas de apoio às famílias e de combate à pobreza.

Este é o rumo deste Governo. Estas são as suas prioridades: combate à crise, modernização, justiça social. É aqui, acreditamos nós, que se trava o combate por um País melhor. E a garantia que posso dar é que neste combate não nos faltará nem ânimo, nem coragem, nem determinação.

Sei que uma das principais tarefas da governação é mobilizar as energias dos portugueses para vencer os desafios que o País tem pela frente.

É por isso que me quero dirigir a todos os portugueses, dizendo-lhes que é para eles, para todos eles, que iremos governar. E digo-lhes também que o País precisa do contributo de todos. Este é o momento em que o País precisa dos seus sectores mais empreendedores, do seu sistema científico e tecnológico, das suas escolas e universidades. Este é o momento em que o País precisa das suas empresas e trabalhadores, da economia social, das instituições de solidariedade, dos parceiros sociais. Não tenho dúvidas de que todos darão o seu melhor para responder aos desafios do presente.

Pela minha parte, quero deixar uma palavra de confiança. Este Governo confia na capacidade dos portugueses e não deixará de apelar ao que de mais dinâmico tem o País, à sua capacidade de inovar, à sua ambição. E o que posso garantir é que podem contar com o Governo na procura dos acordos e dos compromisso sociais, que dêem sentido e sustentação aos grandes objectivos nacionais.

Conheço bem as dificuldades por que passam muitos nossos compatriotas. Sei que há portugueses sem emprego, sem educação suficiente, sem habitação condigna, sem a protecção devida em situações de velhice e de dependência. O meu propósito é o de liderar um Governo que promova o interesse geral, assumindo um compromisso com a igualdade. Porque é justamente este compromisso com o interesse geral e com a igualdade que faz de quem mais precisa a prioridade do nosso esforço e do nosso trabalho, o centro do nosso projecto para uma sociedade mais justa e com mais oportunidades para todos.

Eis, portanto, o nosso programa: governar para todos os Portugueses, com especial atenção para os que hoje mais precisam do Estado Social. Mobilizar a sociedade portuguesa para uma estratégia de desenvolvimento orientada para a modernidade e para o futuro.

O quadro político desta legislatura impõe a todas as instituições e a todos os agentes políticos um elevado sentido de responsabilidade. Responsabilidade, desde logo, com a estabilidade política. Estabilidade que é um valor político essencial para atrair investimento, aumentar a confiança, estabelecer acordos sociais, tomar decisões de fundo e responder com eficácia à crise económica.

Foi por ter consciência desta responsabilidade que, logo que fui indigitado para o cargo de Primeiro-Ministro, me dirigi aos principais partidos parlamentares. De todos procurei indagar da disponibilidade de iniciar um diálogo, sem condições prévias, para avaliar da possibilidade de contributos para a estabilidade política. É público o gesto que decidi fazer, é pública a resposta que recebi.

É claro que este espírito de abertura não se esgota numa circunstância. Assumo plenamente o valor do diálogo político e social, que é condição de estabilidade.

Mas, que ninguém duvide, estou bem consciente do mandato democrático que este Governo recebeu: o mandato de prosseguir as reformas e a modernização. Tal como estou bem consciente da urgência do tempo presente, que é combater e superar a crise. Este Governo toma hoje posse com uma linha de orientação bem definida para a governação e decidido a cumprir o programa que o eleitorado sufragou.

Todas as instituições e responsáveis do nosso sistema político, sem excepção, podem contar com a lealdade e o respeito do Governo. Assim foi no passado e assim será no futuro. Renovo o empenhamento do Governo na cooperação institucional com V. Exa., Senhor Presidente da República; e reafirmo o respeito do Governo perante o Parlamento, a quem responde politicamente. O Governo sabe bem quais são as suas competências, tal como conhece e respeita as competências dos outros órgãos de soberania.

Estou certo de que contarei, também, com o sentido de responsabilidade de todas as forças parlamentares. Para que seja respeitada a esfera de competências próprias do Governo na condução da política geral do País. E para que o País e a sua economia disponham das condições de estabilidade indispensáveis à confiança, ao investimento e à criação de emprego. Para que não se perca tempo em controvérsias inúteis e se concentre o esforço de todos nos problemas e nos objectivos nacionais.

Certo é que o tempo e a circunstância exigem de todos – Governo, instituições, forças políticas – um novo sentido de responsabilidade. Este será um Governo consciente das suas obrigações e dos seus deveres – mas será também um Governo fiel ao seu Programa, fiel à sua estratégia, fiel aos seus valores.

Portugal tem hoje uma visibilidade e uma responsabilidade acrescidas no concerto das nações. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, serão ainda maiores as exigências e potencialidades da construção europeia e o nosso papel como Estado-Membro. A complementaridade da integração europeia com a vocação atlântica e o compromisso com a lusofonia desenham o quadro estratégico da nossa política externa. A relação com as comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo e a promoção do português como língua de comunicação e de cultura são desafios e potencialidades que unem os portugueses.

Este é o Portugal que queremos: um País moderno, aberto ao Mundo, que valoriza as pessoas, as suas competências, as suas energias.

Este é o espírito do XVIII Governo, o espírito próprio da nossa República, que em 2010 vai comemorar o seu primeiro Centenário: dedicação à causa pública, primado do interesse geral, vontade de progresso, ambição de igualdade.

«Esta é a ditosa pátria minha amada». Inspiro-me em Camões para terminar. Aqui estamos. Para servir a República. Para servir os portugueses. Para servir a Pátria que, tal como Camões, todos amamos.

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